Quem Traiu Jesus?
Nilton Bonder
Em pleno período da Páscoa arqueólogos apresentam um pergaminho com outra versão sobre o comportamento do personagem Judas. Figura essa de quem se carreou a identificação com os judeus milenarmente associados à acusação de deicídio. Essa era uma das questões mais importantes do documento Nostra Aetate (Nossa Época) articulado sob a liderança de João XXIII e que revia as relações católico-judaicas em suas questões mais básicas. E nada mais básico do que a identificação do judeu com o traidor, o desleal e o infiel. As teologias têm normalmente
a função de responder perguntas iniciadas por `por que`:
o porquê da vida, da morte, das tragédias e das injustiças.
No entanto, qualquer teologia produzida a partir do pronome interrogativo
`quem` exige cautela. Isso porque para tal pronome a única resposta
sagrada e madura é a que evoca os sujeitos `eu` ou `nós`.
Quando da destruição
do Segundo Templo e da devastação de Israel pelos mesmos
romanos que torturaram e executaram Jesus, a teologia judaica se perguntou:
`Quem é responsável por tanta destruição?`
E para responder a um `quem?` de forma madura tiveram que corajosamente
reconhecer: nós mesmos. Foram as próprias iniqüidades
e perversidades do povo que trouxeram as destruições e agruras
das quais eram vítimas. Em absoluta afinidade com a mensagem profética
que cobrava tudo da própria consciência humana, os rabinos
lavaram as mãos dos romanos para evitar uma teologia de demonização
que só serve para evadir-nos do verdadeiro processo espiritual que
é o aperfeiçoamento e o crescimento humano. Não o
fizeram como um ato magnânimo e ingênuo de perdão, mas
por perceber que não haveria forma saudável de traduzir a
tragédia que não fosse assumindo a responsabilidade e evitando
a busca da culpa de terceiros.
O pecado original humano é não ter entendido a pergunta que o Criador fez a Adão após comer do fruto proibido. Em vez da pergunta `onde estás?`, Adão imerso em culpa pensa tratar-se de uma admoestação iniciada por `quem?`. Como uma criança incapaz de assumir a si mesma e seus atos, ele aponta para Eva e esta para a serpente como culpados. Mas a serpente não está fora, muito menos no outro, mas em si. Essa é a função messiânica principal: resgatar-nos a responsabilidade que advém da habilidade de responder sem recorrer a outros culpados, a `quem?`. É chegada a hora de selar
essa pergunta a não ser que ela seja respondida de forma teológica.
Quem matou Jesus?
Nós. Muito em particular todos os cristãos. Quem são os sacerdotes colaboracionistas? Os do Templo, mas em particular todos os cleros que para salvar suas instituições sacrificaram indivíduos que pregavam liberdades religiosas, ideológicas ou científicas. Essa é e sempre será a mensagem messiânica: o fim da segregação e da discriminação que nascem na pergunta `quem?`. O culpado dos males do mundo não
é o outro, seja o ladrão, o bastardo, a prostituta, o general
ou o sacerdote. Quem Jesus perdoa em seu martírio por não
saberem o que fazem não são indivíduos ou grupos específicos,
mas o ser humano, a humanidade como um todo.
Um bom cristão que quiser
confrontar essa pergunta milenar terá que se reconhecer entre aqueles
que não permitem a chegada destes tempos utópicos sonhados
pela cultura judaica de Jesus. Terá que se responsabilizar mais
do que culpar. Terá que resgatar o Adão que pensava a serpente
estar no `outro`, quando era parte de si.
Há pouco, num debate na PUC,
perguntaram-me como seria o Messias dos judeus. Eu então respondi:
seria parecido com Jesus. Afinal é justamente um grupo de judeus
que há dois mil anos o identificou como tal. Porque o Messias se
traduz por um ser amoroso que não precisa culpar para se redimir,
que prefere ser ele mesmo o bode expiatório ao invés de ludibriar
sua própria consciência achando que o mal está nos
outros.
O Messias para os judeus será
alguém como Jesus que virá num dia onde as pessoas não
terão que culpar esse Messias e matá-lo. Nesse dia, quando
não mais se levantar a insidiosa pergunta `quem?`, o Messias de
cristãos e judeus (e de todos) terá a mesma essência.
Afinal, Jesus morre com a única pergunta santa possível. Ele morre com um `por que?` e não
com um `quem?`.
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